segunda-feira, 31 de outubro de 2011
Estudo do MPF aponta problemas legais e ambientais do Novo Código Florestal
Estudo do Ministério Público Federal (MPF) afirma que o projeto de lei do novo Código Florestal “apresenta diversas violações à Constituição da República, omissões” e “representa grave retrocesso na Política Nacional de Meio Ambiente, não trazendo aperfeiçoamentos relevantes”.
De acordo com o “Grupo de Trabalho Áreas de Preservação Permanente”, que reuniu oito procuradores da República e peritos do MPF na matéria, o novo projeto “aprofunda distorções e mergulhará o País em grande insegurança jurídica, por conta de ações diretas de inconstitucionalidade, ações civis públicas, descumprimento de compromissos internacionais, por exemplo, além dos gravíssimos e irreparáveis danos aos ecossistemas e recursos naturais”.
O iG teve acesso ao documento, intitulado “O Novo Código Florestal e a Atuação do Ministério Público Federal”, que refuta o “pseudo-dilema entre preservação ambiental e desenvolvimento socioeconômico em que se tem sustentado o discurso de defesa do projeto de lei”.
O relatório tem 177 páginas e foi encaminhado nesta semana à Câmara de Deputados e ao Senado Federal, onde o projeto já foi aprovado em três comissões e recebe emendas.
Mudanças fragilizam Brasil e a Conferência Rio + 20
De acordo com o texto, as alterações propostas no novo código contrariam compromissos internacionais assumidos pelo Brasil em conferências das Nações Unidas sobre mudança de clima – como o de Copenhague, em que o País se propôs a reduzir entre 36,1% e 38,9% as emissões projetadas até 2020.
Na avaliação do MPF, essas mudanças “fragilizarão a participação do Brasil e os próprios resultados da Conferência Rio+20”, que ocorrerá em 2012 no País.
“A exclusão da proteção de mangues, restingas e de várzeas como áreas de preservação permanente, assim como a permissão de exploração do Pantanal sem critérios ambientalmente seguros, afronta diretamente tais compromissos, além de ser inconstitucional.”.
O trabalho diz que a dispensa de recuperação de 3,8 milhões de hectares na caatinga “é claramente contrária aos objetivos da Convenção Internacional de Combate à Desertificação”, assinada pelo País.
Um dos pontos mais atacados pelo grupo de estudo do MPF é a definição de “área rural consolidada” no novo código, que admite imóveis com edificações, benfeitorias ou atividades silvopastoris com ocupação anterior a 22 de julho de 2008.
Para os procuradores, essa definição tem o objetivo de “isentar os causadores de danos ambientais da obrigação de reparar o dano, sem exigir qualquer circunstância para a dispensa desta reparação”.
Foto: Agência Brasil
Desmatamento em aldeia indígena na Floresta Amazônica
O documento afirma que, diferentemente das áreas urbanas consolidadas, onde a recuperação integral das áreas de preservação permanente significaria “custos sociais e econômicos desproporcionais, (...) nas áreas rurais a recuperação das áreas de preservação permanente é de enorme importância e pode ser obtida sem impor um ônus excessivo aos proprietários rurais”.
Na avaliação do grupo, isso será objeto de “veto presidencial” e de “ação direta de inconstitucionalidade” em ações civis públicas.
Segundo o estudo, “é patente violação” da Constituição e lesivo ao meio ambiente permitir o uso da Floresta Amazônica brasileira, Mata Atlântica, Serra do Mar, Pantanal Mato-Grossense e Zona Costeira fora de condições de preservação.
A recomendação do MPF é que o patrimônio nacional desses biomas seja absolutamente preservado, sem uso, inclusive quanto dos recursos naturais, a não ser em caráter excepcional e mediante a presença de requisitos e condições.”
Os procuradores veem no projeto do novo código “a completa descaracterização do regime de proteção das áreas de preservação permanente”.
Não há menção expressa no código à proteção integral dos manguezais, dunas e de vegetação de restinga.
Outra crítica feita é à isenção a empreendimentos de abastecimento público de água e de geração de energia elétrica de manterem a Reserva Legal.
“Este é um dos custos ambientais do empreendimento e tem que ser suportado pelo empreendedor, não podendo haver isenção, que caracteriza violação do dever geral de proteção ambiental previsto na Constituição e da exigência constitucional de que a propriedade atenda sua função social”, diz o texto.
De acordo com o estudo, o projeto comete “gravíssimas falhas” ao reduzir “significativamente a quantidade de área ambientalmente protegida, afrontando de forma clara os dispositivos constitucionais de proteção ao meio ambiente”.
Procuradores veem "impunidade" para quem desmata
Foto: Getty Images
Os manguezais não são protegidos expressamente pelo Novo Código Florestal
Para os procuradores, “a sucessão de prazos, anistias e flexibilizações presentes em nossa legislação ambiental (...) gera a sensação de completa impunidade, fazendo com que o produtor que sempre observou a legislação em vigor fique em situação de clara desvantagem e sinta-se altamente estimulado a também desrespeitar as normas ambientais”.
Isso também deixaria uma “porta aberta” para fraudes, devido à “situação caótica e precária de funcionamento de nosso sistema de registro de imóveis, especialmente na Amazônia”.
Outro ponto muito criticado é a “anistia aos desmatadores”, porque “impede a lavratura de autos de infração e suspende as sanções já aplicadas para os ilícitos ambientais anteriores a julho de 2008.
Segundo o MPF, a anistia, sob o pretexto de regularizar situações que “estão irregulares há várias décadas”, “beneficiará aqueles que continuaram desmatando ilegalmente em épocas recentes”.
O MPF considera uma “involução” a alteração que permite a compensação da reserva legal mesmo por quem desmatou vegetação, sem autorização, após dezembro de 1998, “por quem tinha plena consciência de que não poderia fazê-lo”.
Multa faz com que árvore valha mais em pé do que derrubada
O estudo alerta que o um artigo do código pode permitir “transformar grandes áreas de vegetação nativa da Amazônia em carvão, pois não exige que o suprimento seja feito por florestas plantadas, o que é exigido pelo código atual”.
O MPF considera o projeto de lei “permissivo demais” ao prever que a autorização para o uso de fogo na vegetação seja estabelecida por órgão estadual.
“O instrumento econômico para preservação da vegetação deve ser entendido como aquela medida adotada pelo Poder Público que faz com o que o proprietário de área com cobertura florestal seja estimulado, sob o ponto de vista econômico, a preservá-la.
Em outras palavras, é aquele instrumento que faz com que uma árvore valha mais em pé do que derrubada.”
Valeu @xMARRECOx | Imagem via Getty Images
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